Folha de S. Paulo | Não fazer nada em saneamento deixa de ser opção


Folha de S. Paulo | Não fazer nada em saneamento deixa de ser opção


Projeto de lei contém pilares de mudanças essenciais que visam endereçar problemas estruturais do setor

Frederico Bopp Dieterich

Sócio da área de Infraestrutura e Direito Público do Azevedo Sette Advogados

Bruna Bouissou

Sócia da área de Infraestrutura e Direito Público do Azevedo Sette Advogados

As oportunidades no setor de saneamento no Brasil são enormes. Novos projetos de alto impacto foram recentemente lançados, e há um robusto pipeline [carteira de projetos] sendo estruturado.

Para um país que é a nona economia mundial, ter 100 milhões de pessoas sem acesso a serviços de esgotamento sanitário e 35 milhões sem acesso a água limpa simplesmente não é admissível. Entretanto, esta tem sido a situação há décadas.

O esforço para atender a essa demanda reprimida é enorme, e o poder público não possui condições de realizá-lo sozinho. Prova disso é a existência em si deste gap. Inclusive, já se tornou fala repetitiva que o investimento privado, nacional e estrangeiro, é essencial, e que a retomada econômica passará pela infraestrutura, sendo o saneamento a estrela.

Em síntese, há uma carência generalizada; baixa capacidade do setor público de enfrentar o desafio (seja em termos de estruturação, gestão e/ou investimento); muito lobby corporativo contra mudanças no setor; barreiras de entrada para investimentos e operadores privados; um mercado secundário incipiente (ante a falta de desestatizações ou novos players privados), especialmente em termos de fusões e aquisições; porém, ainda assim, vê-se nítido desejo da iniciativa privada de ampliar sua atuação no setor. Em nosso escritório temos percebido aumento da demanda nesse sentido.

Mas o que mudou para termos uma visão tão positiva do setor? Muita coisa!

Em primeiro lugar, o debate está maduro, ainda que tenha durado anos a fio. Chegou-se a um entendimento generalizado, inclusive na classe política, que “não fazer” deixa de ser uma opção. Estamos em busca do tempo perdido.

Em segundo lugar, crise após crise ficou mais palpável a necessidade de investir pesadamente em saneamento. Tivemos uma crise hídrica sem precedentes; tivemos (temos) uma crise econômica e fiscal que reduziu a quase zero o espaço orçamentário para investimento; e há uma crise sanitária que exige, no mínimo, água para lavar as mãos (um luxo que 12.000.000 de pessoas em regiões metropolitanas não tem).

Em terceiro lugar, o poder de mobilização que as mídias sociais deram aos “sem voz” contribuiu para incutir um senso de urgência.

Em quarto lugar, houve uma mudança substancial na realização dos estudos para projetos de saneamento. A mudança de institucionalidade do processo foi um divisor de águas. Saímos de um modelo no qual a grande maioria de iniciativas era via procedimentos de manifestação de interesse (PMIs) ou manifestações da iniciativa privada (MIPs), executadas de forma fragmentada.

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O papel que os bancos públicos, especialmente o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), passaram a ter como estruturadores tem sido determinante para a evolução do setor. Agora há, e seguirá havendo, um fluxo de oportunidades. Isso resolve o lado da oferta. Afinal, haverá projetos de tamanho significativo, com qualidade e em quantidade.

Por fim, e não menos importante, vem o novo marco do saneamento, que deve ser votado hoje no Senado, oriundo do Projeto de Lei n. 4.162/19, e resultante de ampla discussão legislativa e duas medidas provisórias com vigências encerradas.

Ao nosso ver, o Projeto de Lei contém quatro pilares de mudanças essenciais que visam endereçar problemas estruturais do setor, especialmente quanto às suas condições regulatórias:

1. adoção de metas para universalização dos serviços até 2033.

2. nacionalização da regulação mediante a atribuição de competência à Agência Nacional de Águas (ANA) para instituir normas de referência para o saneamento básico em âmbito nacional.

3. incentivo à prestação regionalizada dos serviços.

4. obrigatoriedade de formalização de contrato de concessão quando a prestação dos serviços se der por entidade que não integre a administração de seu titular. Esse contrato de concessão deverá ser precedido de licitação e conter as cláusulas mínimas exigidas pela Lei de Concessões (Lei Federal 8.987/1995), inclusive quanto a metas de expansão, qualidade e eficiência dos serviços e cláusulas financeiras.

Para concluir, estamos animados com as perspectivas e preparados para elas.